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  • Débora de Mello

O bastidor religioso de toda arte moderna.


Você provavelmente não sabe, mas deve se extasiar em galerias e museus com obras artefatadas pela influência do ocultismo. O Simbolismo místico. Ou espiritualismo. Quando se lê sobre a historia da arte facilmente observa-se um pêndulo entre descrever fatos reais e eventos da imaginação, impressão e expressão. Ao longo dos três mil e quinhentos anos de arte visual, artistas retratam aquilo que vêm, com os olhos da face, da mente, e do coração. Do Romantismo ao Realismo, do Realismo ao Expressionismo, do Simbolismo aos Documentários. Parece não haver mais dúvidas que a Arte é a nova forma de experiência religiosa dos Ocidentais. Ninguém ousa heresia contra essa senhora portadora dos segredos das dores e alegrias da humanidade, e mais ainda, que carrega a promessa de salvar os pecadores da angústia torturante ao serem iniciados e tornarem-se devotos.

A arte tem adornado os apoquentados textos acadêmicos e sobretudo enche os olhos daquilo que só pode ser sentido às cegas. A arte prega uma peça no mais cético dos cientistas. Quem poderia afirmar que o pintor Piet Mondrian e o músico Igor Stravinsky com suas obras calculadas eram asseclas da mesma ordem que o psiquiatra e neurologista C.G. Jung e S. Freud; que o músico Eric Satie, o líder religioso Allan Kardec, , os poetas T.S. Eliot e W. B. Yeats, o curador Salomon Guggenheim, o pintor Wassily Kandinsky e muitos outros? Sim, todos devotos do mistério, do místico. Da crença que os homens se comunicam, conversam mesmo, com o Algo que é invisível. Desconhecido. Parece que o homem está inconsciente, mas não de fora. Existe algo além da consciência que fala calado através de símbolos. Conforme as épocas e o gosto mudam-se as magias. Dos mitos à alquimia, da sexualidade infantil ao trauma do nascimento; da nutrição à medicação, conforme o espírito dos tempos. De tempos em tempos aparecem indivíduos se auto professando terem sido inspirados por uma força maior.

Esse é o caso da figura em destaque no museu Guggenheim de Nova York nos próximos meses; quando em exibição coletânea de cinco anos (1897-1902) das famosas francesas exposições chamadas de Salon de la Rose+Croix, exibições anuais, elaboradas com a missão de pregar e impulsionar o movimento Simbolista, por Joséphin Péladan, ocultista, na época líder espiritual da Fraternidade Rosa Cruz. Segundo Alex Ross (The New Yorker), a exibição incomoda o intelecto, que até então denegou as origens da arte moderna, atribuindo à razão o que foi mérito do espiritualismo.

Paris, precisamente Montmartre foi o útero de toda arte moderna. O que poucos sabem, e que já tem atraído a voga acadêmica, é a pesquisa da incontestável influência do espiritualismo sobre o simbolismo modernista. Templários wagnerianos se reuniam nas versões modernas de concílios e cameratas, os cafés de Montmartre, para debater por longas horas a finalidade da arte e a alma. Os modernos acreditavam que as artes são expressões da essência humana e independe de propósito. E também acreditavam que a essência humana é o encontro do indivíduo com seu propósito, seja espiritual ou prático.

Logo, o envolvimento com a arte poderia oferecer à experiência humana moderna aquilo que a religião ofereceu aos antepassados, e a ciência tardou em oferecer. A missão da arte seria a conciliação dos homens com o mundo espiritual, -religare? -com a dimensão do divino, dos sentimentos, da imaginação, das reminiscências, da cultura, do trabalho. Daí, declarou Kandinsky em seu livro Concerning The Spiritual in Art, que o artista é o líder espiritual de seu tempo. Ele acreditava que pela arte o artista poderia curar sua comunidade, acreditava que uma fraternidade global facultaria ser imaginada, expressa, transmitida e transformada pelo contato com as artes. Essas eram ideias extraídas dos escritos de Péladan, o curador dos Salon de la Rose+Croix, cujo prestígio dentre os artistas frequentadores de Montmartre era pleno. Péladan declarava: “Um dia fecharão as igrejas, mas e quanto aos museus? Se Notre-Dame for profanada, o Louvre será legitimado...Humanidade, oh cidadãos...não podemos fazer do sublime órgão um ateu... construiremos o Templo da Beleza”

Os textos em francês de Josephin Peladan foram traduzidos apenas para o alemão, onde ressoaram pelas classes artística romântica e burguesa, influenciando todo o pensamento intelectual germânico. Há apenas uma peça de sua autoria na língua inglesa, e nenhuma em língua portuguesa. No entanto, os artistas do avant-garde liam com fascínio os textos do guru, cujo temas oscilavam entre piedade e depravação. Similar ao pêndulo do fin-de-siècle: tradição e transgressão.

Péladan acreditava na fraternidade, na forte ligação e amor entre os irmãos. No entanto, o tratamento às irmãs era diferente, como na maioria das religiões. Nas paredes das galerias dos Salões da Rosa Cruz as fátuas paredes exibiam cobiçadas imagens fantásticas. O excêntrico espiritualista proibiu pinturas históricas, paisagens marítimas, representações humorísticas e da vida diária comum, contemporânea, privada ou pública. Mulheres artistas não eram bem-vindas e se teimassem, sob falsa identidade masculina, participavam.

A figura controversa e a fama de lunático que Péladan gozava, afastou-o do círculo de artistas, as exibições não mais aconteceram, mesmo que tenham a seu tempo atraído multidões e as mídias; porém suas ideias, extraídas da Cabala, da Alquimia, do Cristianismo e antigos escritos espirituais ficaram indeléveis na profusa e ressonante obra criadora do entre séculos. Estranho mundo.

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