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  • Débora de Mello

Ópera & ecologia. Leoš Janáček, natureza e natureza humana.


“Hoje numa temperatura bela de 25o Celsius no sol, eu estive trabalhando no jardim. Podei as framboesas com gosto. Fiquei chateado. Cavei uma trincheira, semeie salsinha e cenouras; liberei as roseiras; bem, estou crescendo para ser dono de uma propriedade”. Leoš Janáček, (1854-1928)

Apesar de Leoš Janáček, compositor da Moravia, ter vivido isolado, não foi só amante do seu próprio quintal, amou a comunidade, e a civilização. Basta assistir As Aventuras da Raposa Astuta (The Cunning Little Vixen), composta em 1923, e o leitor compreenderá. Não se engane ao ver e escutar os filhotes e suas peripécias logo de início, pois logo o clima muda. Lúcido e sublime, Janáček apresenta incômodas verdades da experiência humana sob a pele da raposa. É sabido que Jancèk dedicou toda sua vida profissional em pesquisar, coletar e catalogar a música folclórica de seu país, pelo estilo de vida e trabalho parece ter alcançado um equilíbrio harmônico entre Natureza, Cidade e Natureza Humana. Exímio observador, suas narrativas musicais descrevem fulgente as florestas e os animais. Imperdível.

Enxergar a vida como ela é, é tarefa árdua. Janáček ajuda a olhar, por exemplo, para a ambivalência felicidade-tristeza ao longo do ciclo da vida. O perigo de ser sequestrado de sua própria felicidade, ainda criança, em troca de abrigo e aconchego. O quanto você vai se divertir pra valer e, quanto vai botar a perder e, estragar tudo em sua busca pela liberdade e identidade na adolescência. É certo que irá se arrepender. Vai querer filhos e tocar os céus ao ver seus filhos sorrirem e crescerem. Vai se inflar como um baiacu, quando de pijamas gigante, cabelos presos num birote feito as pressas, louça suja na pia, você atender a ligação da mamãe e falar: Você não vai acreditar no que o fulaninho fez hoje mamãe! Assim como, terá que lutar contra o tédio esmagador de ter suas vontades pessoais suspensas em devaneios diurnos e sonhos noturnos, isso se você conseguir ser um adulto suficientemente responsável com suas crias. Por que o tempo passa, e mata no final.

Janáček não hesitou em orquestrar temas inconvenientes como a necessidade da morte para a continuidade da vida. E não lhe faltou inspiração no amor para tentar alertar e despertar sua audiência de perigos como ilusões, vaidade e poder, que podem lhe tirar da vida como quem tira um cochilo de morte durante a vida. Esse é o caso do personagem guarda florestal predador daquela que teria que proteger, a pequena raposa; esse aí inicia e termina a trama acordando de um cochilo, quando por fim pode perceber o belo da vida a sua volta, enfim podendo estar completamente vivo antes de morrer.

Essa obra pouco conhecida fora dos círculos musicais é uma jóia filosófica, psicológica e ecológica. Em outubro de 2009 o biólogo molecular e infectologista norte-americano, Stephen M Hedrick, publicou um artigo científico curiosamente chamado: The Cunning Little Vixen: FoxO and the cycle of life and death. O artigo médico se utiliza do título da ópera para discutir o famoso gene da longevidade FoxO. Leigamente falando, o FoxO seria o síndico de nosso metabolismo, cuidando constantemente da manutenção do funcionamento da vida. Mais uma vez a ópera visionária de Janáček serve de metáfora para o ato de compreender a vida.

A morte segue seu ciclo, o da vida. Janáček generosamente oferece ao público a oportunidade de perceber que tudo vive, até os mortos. Vivos na memória e na história do mundo. Na natureza a morte sobrevém, simples assim. Para os humanos, é outra história, vem violenta e injusta, obra do fatídico acaso. Vem com o passar do tempo e a falência das células. Vem com a naturalidade dos pequenos falando de seus avós. E virá a todos.

Aqui deixo um trechinho dessa magnífica obra, que deveria ser vista em sua íntegra. Os processos curativos são longos. Vale a pena dedicar duas horas a essa maravilha da humanidade e experimentar a vida que é sua, my fellow!

The Cunning Little Vixen,

Um pedacinho aqui: https://www.youtube.com/watch?v=mUV1bRMPGLU

Na integra aqui: http://www.medici.tv/#!/the-cunning-little-vixen-nicholas-hytner-theatre-du-chatelet

Tyrrell, J. (2010). The Lonely Blackbird (Kindle Ed ed. Vol. 1). London: Faber and Faber.

Tyrrell, J. (2010). The Tsar of the Forests (Kindle Ed ed. Vol. 2). London: Faber and Faber.

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